quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

algures na Califórnia...

Algures na Califórnia , debaixo de um calor intenso , dois jovens procuram incessantemente um local onde repousar.  Ela terá entre vinte e vinte e dois anos , ele , um pouco mais velho.  Andam há dois dias e duas noites fugidos do destino que lhes queriam dar , cansados , mas felizes por experimentarem , mesmo debaixo de difíceis condições , uma liberdade que nunca antes tinham vivido na sua curta existência.
Começa a chover ! Entram numa pequena estação de serviço de beira da estrada para se refugiarem de tão súbita e inesperada intempérie. Ele compra um maço de cigarros enquanto que ela se dirige à casa de banho. Para além deles , dentro da estação de serviço , apenas se encontra o funcionário, um homem dos seus quarenta anos . A chuva lá fora parece agravar-se.
- Um Marlboro, por favor - pede-lhe Raul - olhando vagamente para o homem à sua frente.
- É só ? - pergunta-lhe o empregado , mirando - o com atenção.
Com um aceno de cabeça o jovem responde-lhe que sim.
- Cinco dólares - diz-lhe do outro lado do balcão o homem que ostenta uma espessa barba preta.

Será assim?!...

11H15mn - Mais um dia sem chuva. Um pouco de vento , é certo , algum frio , mas o céu está azul com nuvens brancas , lá no alto.
Estamos um pouco para lá do meio de Fevereiro , que é um mês curto e manhoso, diferente dos demais.
Acordei relativamente bem. Um pouco sem ânimo , mas bem. Pensei até que o mal-estar que me tem acompanhado desde domingo se tivesse ido embora , mas não , não foi. Ainda está comigo.
Depois do frugal pequeno - almoço , sem leite , conforme prescrição da minha médica particular - a minha mãe - , comecei a sentir de novo as náuseas , as tonturas e as dores de cabeça que , não sendo fortes , não deixam de arreliar. Duram até agora !
Ainda saí para comprar cigarros - que são uma espécie de bálsamo - levando a expectativa que a curta caminhada até ao café me fosse fazer bem. Engano ! Puro engano ! Continuo na mesma! O estômago , o aparelho digestivo ou o que quer que seja , conspiram contra mim. Raios os partam! Logo agora que estava cheio de planos e de tarefas para cumprir. Os astros não estão alinhados comigo. Que grande chatice!


sábado, 14 de fevereiro de 2015

Sábado.

Chove!
Dentro de mim uma brisa de tristeza passa ao de leve sobre o meu coração.
Faltas tu . Falto eu e tu.
Contudo , estás em mim , quando fecho os olhos.

Uma brisa, serpenteante . Um tímido desejo . Está longe e perto.

Os lábios húmidos , o coração desperto.

Conto os dias , as horas , os minutos.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Gatos

Os gatos são ensimesmados ,
( pensam muito ! )
Senhores do seu nariz...!
Ao sol se sentam , depois se deitam,
rebolam sobre si.
Em seguida, vêm até mim ,
Ninguém lhes diz.
Semicerram o olhar,
serenos ,
como se estivessem a filosofar!

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Adolfo Casais Monteiro

Paz aos Mortos

Detestei sempre os arquitectos de infinito:
como é feio fugir quando nos espera a vida!
Nunca tive saudades do futuro
e o passado... o passado vivi-o, que fazer?!
- e não gosto que me ordenem venerá-los
se eu todo não basto a encher este presente.

Não tenho remorsos do passado. O que vivi, vivi.
Tenho, talvez, desprezo
por esta débil haste que raramente soube
merecer os dons da vida,
e se ficava hesitante
na hora de passar da imaginação à vida.

As pazadas de terra cobrindo o que já fui
sabem mal, às vezes; noutros dias
deliro quando lanço à vala um desses seres tristonhos
que outrora fui, sem querer.

Adolfo Casais Monteiro, in 'Sempre e Sem Fim'

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Impressões II

Um conflito interno, penoso, dilacerante, deixa – me na terra de ninguém, um espaço entre as fronteiras do que sou, digo e faço e do que quero ser, dizer e fazer.
É dilacerante!
Tão dilacerante que depressa me leva a cair no abismo cavado pela interrogação, pela dúvida e pela incerteza.
Os meus pensamentos vogam desorganizados, pelo céu que lhes dá casa, sem que eu consiga colocar ordem neste desenfreado continuum de sensações interiores que em redemoinho , como um furioso e incontrolado tornado , varrem toda a minha paz e me deixam prostrado e sem força.
Dei abrigo , há uns dois meses atrás , a uma cadelita, forçada pelas circunstâncias a estar vadia,  e , depois da sua vinda , a minha vida ficou diferente. Tratar-se-á de uma coincidência ou haverá uma relação efectiva?!
Não sei !
( «Há!» , responderei , mais tarde…)
Quantas não são as vezes em que procuramos sinais, uns mais estranhos que outros, que ajudem a explicar as (aparentemente) pouco explicáveis mudanças na nossa condição de vida?
E depois, ao fim de bastante tempo sem que a cadela voltasse a casa, pensei: parece que me sinto mais calmo. “Era ela que me estava a trazer má sorte…”
A fé é extraordinária! É uma esperança reforçada por um elo invisível entre nós e o divino. É  como se tomássemos um whisky duplo em vez de um whisky normal.
Está difícil a minha existência neste particular momento. Estou vazio de bem-estar e cheio de dor. Tudo parece conspirar contra mim. Principalmente, eu próprio.
Vivo entre paredes carregadas de angústia. Mesmo o espaço aberto me aperta os sentidos e parece não haver lugar no mundo onde encontre paz. A desesperança se instalou.
Vida é sofrimento.
Quem nunca sofreu?! Eu, por deus, tenho a minha dose.
Abismo! Cair, é a minha única vontade.
Paralisado! Estático! Em pânico! Colado num pedaço inerte de tempo. Peso uma tonelada mas, paradoxalmente, estou pronto a ser levado pelo vento, como uma pena.
Tudo a uma distância ínfima: a luz , a beleza, o amor…
Imperfeição constante…
Encaixou a sua face na concavidade feita entre o meu ombro e o pescoço e percebi, por segundos, que podia haver uma outra saída, para além da fuga. Ficar aqui, podia ser, afinal, ter todo o mundo. Já não precisava de viajar até Nova Iorque ou Paris. Os dois corpos, ali juntos, sentados no improvisado banco debaixo da velha pereira, deram-me a sensação de tranquilidade e fizeram com que pensasse na possibilidade de encontrar a paz perdida. Foi por pouco tempo. As nuvens adensaram-se e começaram a avançar, céleres e cinzentas, em nossa direcção. Em pouco tempo a chuva começou e com ela desapareceu a ilusão que o meu desejo construíra.
- És um perdulário! – Atirou-me, mais tarde, sentada no sofá vermelho em frente ao meu.
Olhei-a, no verde da sua iris, e veio uma vontade enorme de chorar.
De súbito, o ladrar de um cão na vizinhança, alvoroçou os meus.
Agarrei-lhe a mão, olhando de novo nos seus olhos densos. A chuva que entretanto parara, recomeçou a cair, agora numa melopeia inquietante. Senti frio.
- Estou farto do inverno – disse-lhe. Os cães , quando voltam a casa, vêm todos molhados e sujos . É uma porcaria. Está sempre tudo sujo.
-Tudo na vida tem o seu tempo , Rafael. Ao inverno segue-se a primavera e é necessário ter paciência e sabedoria.

(Sabedoria paciente, pensei)


- escrito em Novembro ou Dezembro de 2013 -